O termo “financeirização da velhice” descreve um fenômeno crescente no Brasil (e em outros países) onde a lógica, os produtos e os interesses do setor financeiro passam a ter uma influência cada vez maior sobre a vida e, principalmente, sobre o cuidado da população idosa.
Contexto:
Esse processo ocorre em um cenário de transição demográfica, com o rápido envelhecimento da população brasileira. Mais pessoas estão vivendo mais tempo, o que naturalmente aumenta a demanda por cuidados de longa duração, serviços de saúde específicos e outras formas de suporte. Paralelamente, críticos apontam para uma tendência do Estado em transferir a responsabilidade principal pelo cuidado dos idosos para as próprias famílias, sem oferecer suporte público adequado e suficiente.
Como a Financeirização se Manifesta:
Essa combinação (aumento da demanda por cuidado e retração do Estado como provedor direto) cria um espaço que o mercado, incluindo o setor financeiro, busca ocupar. A financeirização da velhice se manifesta principalmente através de:
- Mercantilização do Cuidado: Serviços essenciais ao bem-estar dos idosos (como moradia assistida, cuidadores, saúde) são transformados em produtos e serviços a serem comprados no mercado.
- Atuação de Empresas Financeirizadas: Grandes empresas, muitas vezes controladas por fundos de investimento ou com capital aberto em bolsa, entram no setor de cuidados (ex: administrando redes de Instituições de Longa Permanência – ILPIs, ou residenciais para idosos). O foco principal dessas empresas pode ser o lucro financeiro de curto prazo para acionistas, o que pode levar a cortes de custos que impactam a qualidade do cuidado.
- Planos de Saúde como Dívida: Os altos custos dos planos de saúde privados, especialmente com os reajustes por faixa etária, transformam o acesso à saúde suplementar em uma fonte de endividamento constante (“dívida eterna”) para muitos idosos e suas famílias. A dificuldade em encontrar planos individuais regulados agrava o problema.
- Expansão do Crédito Consignado: O empréstimo com desconto direto na aposentadoria ou pensão se torna uma ferramenta central. Muitas vezes, é a única alternativa que os idosos encontram para cobrir despesas inesperadas ou contínuas com saúde (remédios caros, tratamentos, cuidadores), levando a um ciclo de endividamento.
- O “Estado-Fiador”: Em vez de prover diretamente os serviços, o Estado assume um papel de “fiador”, facilitando o acesso ao crédito (como o consignado) para que as pessoas possam comprar os serviços de cuidado no mercado privado.
Consequências:
As principais consequências apontadas por pesquisadores são:
- Endividamento Crescente: Idosos e suas famílias acumulam dívidas para arcar com custos de saúde e cuidado.
- Precarização: A busca por lucro pode levar à redução de custos com pessoal, materiais e infraestrutura, afetando a qualidade dos serviços.
- Desigualdade: Acesso a cuidados de qualidade fica ainda mais restrito àqueles com maior poder aquisitivo ou capacidade de endividamento.
Em resumo, a financeirização da velhice significa que as necessidades e vulnerabilidades associadas ao envelhecimento estão se tornando um novo e lucrativo mercado para o setor financeiro, levantando sérias questões sobre o direito a um envelhecimento digno, o papel do Estado e a sustentabilidade econômica e social das famílias no Brasil.